25 novembro 2009

Bailarina

Balanceou pelo palco. Em pontas fez a pirueta final. Baixou o tronco graciosamente, numa vénia respeitosa ao público.

O pano desceu e público rompeu em aplausos.
Ergueu o tronco. Baixou os braços. Sentiu os pés firmes no chão.

Os colegas chegaram para agradecer.
Sentiu o ramo de flores nos braços. As rosas vermelhas a roçarem o seu rosto.

Apertos de mão, abraços, beijos e muitos:"excelente!".
Levou o seu corpo flutuante para o camarim. Poisou as flores levemente na cómoda. Tirou as sabrinas. Os pés cobertos de calos e bolhas do esforço.
Poisou-os no chão. Firmes.
Olhou para si no espelho.
Via a forma esguia do seu corpo. Via a graciosidade dos seus gestos. Via a delicadeza da sua beleza.
Mas a sua alma?
Olhou fundo nos seus próprios olhos azuis. Calmos.
Não derramou qualquer lágrima, porque isso implicaria ter algo dentro de si.

E já não tinha.
Ansiara tanto para se tornar no que queria. Trabalhara tanto para alcançar os seus sonhos.
Agora, farta de tanta beleza, delicadeza, leveza, queria apenas sentir os pés firmes no chão.
Queria-se saber a ter alma e outros sonhos. Ter sentimentos. Sentir a dureza, firmeza do chão. Do que era real.
Com os pés bem agarrados ao chão, a sentir cada imperfeição do solo, abriu a janela.

Balanceou. Com os pés finalmente bem firmes ao chão abriu os braços para o seu grande finale.

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