Hoje à conversa no café falava dos meus estágios e das pessoas que conheci. E lembrei-me disto: escolhemos todas passar o resto da vida a ”compor os outros”. Logo nós que admitimos que tantas vezes não nos conseguimos compor a nós próprias.
Lembrei-me do P. Mais do que um paciente foi meu companheiro. Era o meu primeiro estagio e ele foi o meu primeiro doente. Não o tratei sozinha. Ele ajudou-me. Afinal aquilo não era nenhum bicho de 7 cabeças e dei por mim a deixar a cara de medo com que tinha entrado ali e a rir-me enquanto tentava com voz autoritária manda-lo repetir o exercício, “que aquilo era para o bem dele”. O P. foi o melhor primeiro paciente que poderia ter tido. Deu-me a confiança que eu precisava, deu-me a motivação que me faltava. Teve alta no meu último dia de estágio. Coincidência. Mas o trabalho dele estava feito. E o meu também.
Lembro-me também da Dona E. Difícil captar a sua atenção, quando eu estava a competir com bombeiros novos. Ganhavam os bombeiros obviamente, qual é que era a duvida xD? Sem papas na língua, todos os dias me dizia que estava ali contra a vontade. Fui eu quem lhe disse que não precisava de voltar mais. Fui eu que a vi chorar a pedir para não a mandar embora. Afinal, a vontade da senhora era diferente daquela que ela tinha defendido com unhas e dentes. Uma companhia. Um momento diferente da monotonia do seu dia.
E depois havia o Sr M. Alentejano de gema. Um raio de sol no meu dia. Sabia como me por um sorriso na cara. Um dia experimentei incluir uma bola na sessão de tratamento. Nesse dia parecia ser de novo um rapaz de 13 anos que jogava à bola com os amigos nos descampados do Alentejo. Passámos a jogar os 2 todos os dias no fim do tratamento. E ele passou a ter todos os dias um sorriso de menino =).
Sr J. O meu grande desafio. Como aliviar um sofrimento que já nenhum medicamento era capaz de aliviar? Um dia experimentei uma coisa tão simples. Almofadas a suportar o corpo que ultimamente lhe pesava tanto (apesar dos 20 kg perdidos), uma palavra de conforto, e um toque de embalo até que fechasse os olhos num sono quase profundo. Disse-me que já não descansava como naquele dia à muito tempo. Disse-lhe que então iria voltar a fazer o mesmo o resto dos dias. E fiz. Enquanto pude.
Faltam mais. Não muitos mais que a minha experiência é curta. E mesmo que por vezes os nomes se desvaneçam da memória, ficam sempre as caras. Escolhemos passar o resto da vida a compor os outros, porque descobrimos que de alguma maneira eles também acabam por nos compor a nós. De uma forma mais subtil também eles nos dizem ”Compõe-te oh! C*ralho”
1 comentário:
adorei o teu texto, pequena! demais. e é verdade. até porque compor os outros se torna uma maneira de sermos felizes também.
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